segunda-feira, 19 de novembro de 2012

...viagens....


A primeira vez da qual me lembro de ter viajado foi com meus pais, (saudades demais deles) foi uma pequena viagem a uma cidade próxima, fomos no jipe de meu pai, lembro que todas as vezes que ele falava de seu jipe o fazia com enorme orgulho e contentamento, naquela época ter qualquer tipo de veiculo era para muito poucas pessoas, ele cuidava daquele jipe com zelo e ciúme extremo, ai de quem o sujasse de alguma forma, pronto, virava um leão e aproveitava para fazer um discurso:                                                                                            - ah, mas vocês não sabem o quanto custou para eu comprar esse carro, anos de trabalho, muito suor e    dedicação.
Naquele tempo eu ouvia, ouvia, e de tanto ouvir tive que aprender um pequeno truque (a necessidade obriga), para não desrespeitar meu pai, eu abaixava a cabeça, pensava em mil coisas agradáveis,(pior que falei isso para todos os meus filhos e desconfio que fazem o mesmo comigo) no geral ficava pensando num montão de doces, manjares e pudins, ou então nelas, nas meninas, enquanto ele falava, falava e finalmente encerrava e eu – sim, pai, sim pai, ele abria um sorriso aberto e feliz e tudo ficava bem de novo, e, claro, eu escapava de uma surra, meu pai não era violento, mas se ficava nervoso e irritado, sai de baixo e de perto com urgência, a coisa era feia, ou era com cinta, (uma grossa e intimidante que ele tinha) ou era com o que tivesse e estivesse mais perto, DEUS me defenda.

Enfim, estava falando da minha primeira viagem de carro, eu me assentei na parte traseira do jipe e o tempo todo ficava vendo o jipe voando pela pista, asfalto novo e recente, (tudo era recente na época), ficava imaginando de onde vinha e para onde ia aquela estrada  que até onde eu via era infinita, se perdia no horizonte sem fim, de vez em quando cruzávamos com algum caminhão, algum carro, todos correndo como nós na estonteante velocidade de uns 50 km por hora, parece pouco hoje em dia, não? Mas naquele tempo era um fato muito empolgante, haja visto que os primeiros carros andavam a 20 km por hora, bem, mas daí, eu olhando a estrada, fazendo essas indagações e sonhando, de repente assim do nada aconteceu, tive uma sensação diferente... me apaixonei irremediavelmente por estradas, parece que naquele momento eu e as estradas estávamos selando um acordo inquebrantável, unindo nossos destinos de uma forma muito sólida e ainda pensei:                                                                                    - ah, quando crescer, não sei em que vou trabalhar mas vou viajar o mais que puder.

Os anos passaram e minha profecia infantil se fez realidade, todos os trabalhos que eu conseguia envolviam viagens que eram curtas no inicio, mas comecei a ir para cada vez mais longe, ficar mais e mais dias fora, e fui conhecendo mais e mais regiões, outros estados, outros países, e me encantando cada vez mais, quanta coisa diferente, comidas, culturas, pessoas de todos os tipos e a linguagem super variável de região para região.
Todas as vezes que saia para viajar sentia, claro, um frio na barriga, medo do desconhecido e sobretudo Dela, da estrada, que alias na minha opinião deveria ter uma placa em todas as suas entradas da seguinte forma:
“Você que aqui esta entrando, estou disponível e aberta para todos, faça o possível para passar por mim, me use e abuse, vá e venha a vontade mas faça o impossível para não ficar para sempre nas minhas margens, a morte fria está a espera ao longo de todos os meus caminhos pronta para ceifar os desavisados e os imprudentes, a morte não tem preconceitos, você pode ser de qualquer idade, de qualquer cor e de qualquer raça”.

Já vi tanto acidente, tanta coisa horrível, famílias inteiras sendo destruídas, pessoas mutiladas para todo o resto de suas vidas, corpos ensanguentados esparramados pela pista as vezes em pedaços, quantas vezes senti o frio da morte exalar seu suspiro na minha nuca, já a ouvi me sussurrando com sua voz tenebrosa e arrepiante:
- ainda não te quero, vá por agora, saia já da minha presença, mas não brinque comigo, posso te querer daqui há pouco.
Valha-me DEUS,  de quantos perigos escapei por um triz, um milésimo de segundo a mais ou a menos e pronto, poderia não estar mais aqui, mas na verdade todas as vezes que senti medo sempre me lembrava de um fato bastante curioso, quando adolescente, tinha uns 12 anos, super tímido, lembro que quando alguma menina tentava falar comigo eu tremia todo igual vara verde, não sabia mais onde por a cara ou as mãos, simplesmente tinha vontade de me desfazer no ar, evaporar mesmo, que raiva, algumas eram lindas, com sorrisos luminosos e eu lá, feito um panaca, ah, se eu pudesse voltar atrás,    - ai, ai, se eu te pego....
E a noite então, ficava horas pensando nela, o que poderia ter falado, o que poderia ter feito, me via declamando uma poesia assim de improviso, (naquele tempo esse era o tcham, quem o fizesse ganhava todas mesmo), daí eu mentalmente tentava fazer alguma poesia, um poema e até fazia mesmo, mas já era tarde, a hora já tinha passado, a comida já tinha esfriado e eu só lambendo o dedo e imaginando tudo que poderia ter sido e não foi, o que poderia ter havido e não houve, mas as vezes é assim, perdemos o trem em movimento, um vacilo, uma bobeira e quando vemos já é tarde, mas esse mundo é redondo e vai dando voltas, nada como um dia atrás do outro.

Quando adolescente eu comecei a frequentar um centro de umbanda para tirar aquela timidez, me benzer, essas coisas e um caboclo (entidade espiritual na umbanda) que sempre me atendia dizia assim:
- Vóssuncê vai ser famoso no seu trabaiadô, vai andá pelo mundo todo e vai vencê na vida,  vóssuncê é muito formoso e vai morrê de morte morrida.

Pronto, complicou minha jovem cabeça, ser famoso no meu trabalho? já comecei a me imaginar um cantor famoso, rico, cercado de jovens lindas de todos os tipos...

- ah, que sonho bom, que coisa mais boa mas isso é um paraíso na terra, trem bão demais, (como diz o mineiro e o goiano) .

Adorei  as falas do cabloco, viajar pelo mundo inteiro...eu já era apaixonado por estradas e ainda ia viajar pelo mundo todo, me vi em jatinhos, em iates, todos super luxuosos, exclusivos e eu lá como um marajá, que lindas e sonhadoras palavras, quanto a ser formoso, nem me afetou, afinal desde criancinha ouvia de minha saudosa e querida mãe que eu era um menino lindo e bonzinho, (rs).

Mas essa história de morrer de morte morrida, essa não entendi, mas como é isso? morte é morte, não é? bem mais tarde entendi que havia inúmeros modos de morrer, e a tal de morte morrida é diferente da morte matada, pelo que entendi minha morte não ia ser por acidente, bem, que seja, meu medo diminuiu um pouquinho mas só um pouquinho, por via das duvidas, vai que o cabloco estava errado, eu hem?, afinal não me tornei cantor, não fiquei milionário e nem famoso, nunca tive nem jatinho nem iate,  e ainda por cima tem aquele velho deitado (ditado) que diz: -  seguro morreu de velho, é, esse com certeza morreu de morte morrida.

Muitas vezes comentei que já viajei por milhões e milhões de quilômetros, (em estradas mesmo sem contar outros tipos de viagem) e notei que as pessoas ouviam com uma certa descrença, mas é bem assim mesmo, penso na estrada como minha amiga e companheira fiel, sempre à minha espera, seja a qual hora for, sempre disposta a me dar sua acolhida e seu abrigo, penso nela também como minha amante insaciável, exigente, sequiosa, faminta e sedenta de mim, daí eu vou chegando, vou chegando, ela se despe inteira, me abraça, me envolve com todo seu encanto, me beija, com seus lábios sabor de mel, eu a beijo, a acaricio inteira, a faço gemer de prazer e de impaciência, só então eu a penetro, primeiro lentamente e depois com toda a força e vigor e por horas infindáveis a cavalgo de todas as formas e de todos os modos num turbilhão incandescente de fogo ardente, vou até ficar exaurido e cambaleante e ela toda satisfeita e feliz me deixa descansar uns momentos e logo a seguir tudo recomeça, de novo, de novo e de novo até que nossas forças nos abandonam totalmente.

A estrada é ciumenta, bastam alguns dias em que de repente me distancio dela, em sonhos ela vem, me cobra e exige minha presença, ordena, não pede, de forma imperiosa e determinante, diz que sentiu minha falta e tem saudades das milhares e milhares de noites, das madrugadas frias, dias escaldantes ou chuvosos que passei em sua companhia, eu e ela, só nos dois, entrelaçados e unidos, eu voando nela e através dela, cortando e encurtando distancias de norte a sul e de leste a oeste, então...eu a ouço com toda a atenção e também já saudoso dela...prontamente a obedeço.

AHMAD SERHAN WAHBE 18/11/12

Motorista enfrenta estradas livres na saída do feriado

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Dia de finados


O dia da morte é um dia de tristeza ou de alegria?
Há quem diga que o dia do desencarne ou da morte, para quem vai embora é um dia alegre, feliz e de libertação.
Soltas as amarras, os espíritos ou almas, alçam voo, livres, sem correntes pesadas que a gravidade e a vida os mantinham presos a esta terra, quero crer que seja assim, só queria poder sentir parte dessa alegria todas as vezes em que compareço a um velório de alguém conhecido, parente, amigo... porque na verdade o que sinto é um vazio muito forte e tristeza, muita tristeza.  Talvez, sentir alegria pela liberdade adquirida de quem vai embora seja apenas para espíritos que embora encarnados ou vivos, são superiores, muito mais elevados do que eu.
Minha mente divaga, formula perguntas e não existem respostas, ou na verdade, se existem, essas respostas estão em nosso subconsciente, devem estar senão porque outra razão sempre falamos, sem perceber:
 _Ah, mas ele (ou ela), esta bem melhor agora, descansou desse mundo de provação ou...
_Que grande perda, vai fazer muita falta, ou ainda o mais comum:  _Meus sentimentos, os olhares e os gestos cheios de pesar e de tristeza.
Frases com certeza muitas vezes genuínas, mas não há como negar que sentimos sim, uma pequena pontinha de alegria, (talvez esse seja o único momento que algo nos alegra), sentimos uma pequena pontinha de alegria porque nós não estamos naquele caixão, não é mórbido, horroroso demais? Com certeza que é, nos deixa até com um gostinho amargo na boca, gosto de egoismo, gosto de desgosto por termos esse pensamento.
Mas só queria ver alguém que com extrema sinceridade negue, negue de verdade esse esquisito sentimento egoísta, de puro alivio, dessa pontinha de alegria que experimentamos por um instante naquele momento, (medo de ir embora, com certeza), ah, isso eu queria ver mesmo.
Dai falamos, falamos e falamos, será que falamos tanto para acreditar no que falamos? Tipo, quanto mais repetimos, decoramos e gravamos, mais acreditamos.
Como se sabe, uma mentira ou tudo que é repetido milhões de vezes acaba virando uma verdade, realidade incontestável. Será assim mesmo?, não será assim? Bah, esses pensamentos todos acabaram de bagunçar minha cabeça demais por hoje, agora sim, é que não sei mesmo de mais nada se é que soube algum dia.
Bem, seja como for, quero mesmo que aqueles que desse mundo se foram para outro melhor, realmente estejam mesmo melhores do que nós, enquanto nós sentimos tristeza, saudade  e choramos as suas perdas.
Que eles se rejubilem e se alegrem reencontrando seus entes queridos que antes deles já  haviam partido. Que seja assim e aqueles corpos aos quais deixamos em uma tumba fria sejam apenas a roupagem que os vestiam, que os adornavam e que os prendiam a essa terra, e eles, verdadeiramente agora transformados em luz, embora em outra dimensão, outro mundo, ainda nos deem um pouco de sua luminosidade, e que essa luz venha como uma lembrança feliz de momentos bons que passamos em sua companhia.

AHMAD SERHAN WAHBE